quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Da união à desunião (parte III)


Por João Carlos Barrada,

A vaga separatista
Às divergências internas na zona do euro somam-se conflitos com expectativas e estratégias dos demais dez estados que não integram a moeda única, condenando ao fracasso políticas que não tenham em conta esses interesses.
A vitória nacionalista nas eleições na Flandres, o triunfo anunciado da "Convergència e Unió" na votação catalã de Novembro e o acordo de Edimburgo para um referendo sobre a independência da Escócia são a crista de uma alterosa vaga separatista na Europa. 

A inadequação institucional de grande número de estados para assumirem reivindicações de autonomia nacional ou regionalista revela-se cada vez mais gravosa à medida que os impasses sobre a integração política, económica e financeira na União Europeia se agudizam.

A crise da dívida soberana e de balança de pagamentos num crescente número de países da zona euro – uma união monetária imperfeita e disfuncional que destabiliza relações institucionais com estados da UE não aderentes à moeda única – é uma das razões para o reavivar de tensões separatistas que se estimulam reciprocamente.

Na monarquia espanhola a falência financeira das autonomias, abarcando regiões e nacionalidades históricas consagradas na Constituição de 1978, e a crise do estado central enfunam as velas do separatismo da Catalunha.

O repúdio ao centralismo do "Partido Popular" anima uma coligação liderada por forças conservadoras, pugnando por uma política soberanista a partir da exigência de maior autonomia fiscal, que ameaça levar à ruptura com Madrid.

Se a maioria dos 7,5 milhões de habitantes da Catalunha apoiar a secessão o efeito de carambola sobre outros nacionalismos e regionalismos ibéricos será imparável.

Expurgado de taras racistas e xenófobas o nacionalismo basco, onde é grande o peso da esquerda "abertzale", terá então condições para ganhar novo ímpeto descartando derivas terroristas. 

Resta à Espanha encetar uma reforma constitucional federalista difícil de negociar em plena crise económica e financeira.

Na Bélgica a conquista da câmara de Antuérpia por Bart De Wever assinala o momento em que os conservadores passam a hegemonizar o nacionalismo flamengo. 

De Wever posiciona-se contra a coligação do "governo dos impostos" liderada em Bruxelas pelo socialista francófono Elio Di Rupo e, apesar de concessões a uma "renegociação confederal", aspira a cortar definitivamente as transferências financeiras para o sul.

Com a "Nieuw-Vlaamse Alliante" a direita domina claramente o espaço político na Flandres em oposição ao centro-esquerda francófono na Valónia e em Bruxelas. 

Uma separação à imagem da negociação entre checos e eslovacos em 1992 é cenário crível para a dissolução do reino constituído em 1831. 

Os nacionalistas escoceses têm a grande prova dentro de dois anos num referendo quanto à união política firmada com a Inglaterra em 1707.

No Reino Unido estão em jogo dinâmicas políticas conflituosas susceptíveis de avivar o separatismo católico na Irlanda do Norte.

Os conservadores de David Cameron tendem a reforçar prerrogativas nacionais em ruptura com a União Europeia, enquanto nacionalistas escoceses optam por um retorno à soberania plena que o petróleo e gás no Mar do Norte possam eventualmente sustentar. 

O marcado regionalismo da maioria germanófila entre meio milhão de habitantes do Alto Adige/Sul do Tirol, anexado pela Itália em 1919 ao defunto Império Austro-Húngaro, enquadra-se, por sua vez, na contestação de regiões ricas a transferências tidas por desproporcionadas a favor do estado central que a crise da eurozona acentuou.

O separatismo da "Lega Norde", a recuperar das máculas de desvio de dinheiros partidários que fez naufragar o líder Umberto Bossi, ainda tenta, por seu turno, capitalizar as pronunciadas assimetrias da península numa conjuntura de desnorte em que se multiplicam escândalos de corrupção administrativa da Calábria ao Lazio. 

Na "Colectividade Territorial da Córsega", entidade estabelecida em 1991 com uma autonomia relativamente elevada num dos mais centralistas estados europeus, um arraigado separatismo mostra-se vivaz. 

A esquerda autonomista e separatista predomina desde 2010 numa ilha onde o banditismo e crime organizado perpassam as disputas políticas como em nenhuma outra região da França.

Onze assassinatos ocorridos desde Janeiro, em que se confundem motivações políticas e negocistas, são sinal de possível retorno à agitação violenta sob o manto do separatismo e a soberania de Ajaccio. 

Reivindicações nacionalistas e regionalistas vêm, assim, complicar negociações entre estados que se digladiam quanto a direitos soberanos e supranacionais na União Europeia.

Às divergências internas na zona do euro somam-se conflitos com expectativas e estratégias dos demais dez estados que não integram a moeda única, condenando ao fracasso políticas que não tenham em conta esses interesses. 

artigo aqui

Sem comentários:

Enviar um comentário