terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Porque a União Monetária Europeia é um sistema gerador de conflitos

Por: Philipp Bagus








Philipp Bagus, é professor adjunto da Universidad Rey Juan Carlos, em Madrid. É o autor do livro A Tragédia do Euro. O seu website.

O artigo a seguir foi extraído do capítulo 9 do livro A Tragédia do Euro.




"Se bens pararem de cruzar as fronteiras, os exércitos o farão" é um provérbio frequentemente atribuído a Frédéric Bastiat e um dos principais pilares do liberalismo clássico. Quando bens são impedidos de cruzar as fronteiras ou de serem voluntariamente comercializados, os conflitos naturalmente surgem. Por outro lado, o livre comércio fomenta a paz.

No livre comércio, os cidadãos de diferentes nações cooperam entre si harmoniosamente, guiados pela divisão do trabalho. Uma troca voluntária só ocorre porque ambos os lados esperam se beneficiar dela. Imagine que os alemães sejam loucos por queijo feta e que os gregos sejam malucos por carros alemães. Quando a Alemanha compra queijo feta da Grécia e os gregos utilizam as receitas oriundas da venda de seus fetas para comprar carros alemães, as trocas são mutuamente benéficas ex ante. Na era da divisão do trabalho, o livre comércio é um pré-requisito para qualquer arranjo amigável entre as nações.

Um possível conflito surgirá quando bens forem inibidos ou completamente proibidos de cruzar fronteiras. Se os alemães puderem comprar queijos feta somente a preços muito altos em decorrência de tarifas ou se a entrada de carros alemães na Grécia for proibida por lei, as sementes do descontentamento e dos conflitos estarão plantadas. Se um país estiver temeroso de que será incapaz de importar alimentos essenciais ou outras mercadorias devido a impostos ou sanções, ele terá de se preparar para virar uma autarquia.

Protecionismo e nacionalismo económico foram as principais causas da Segunda Guerra Mundial.[1]

Com a derrocada do liberalismo clássico no início do século XX, o livre comércio passou a ser atacado por todos os lados, e o protecionismo entrou em ascensão. O nacionalismo económico colocou a Alemanha em uma posição muito perigosa estrategicamente, dado que o país tinha de importar comida e commodities como petróleo. Esta sua posição vulnerável foi exposta quando um bloqueio naval britânico provocou a inanição de 100.000 alemães durante a Primeira Guerra Mundial. Após a guerra, Adolf Hitler saiu à procura de Lebensraum [espaço vital para expansão territorial e política] e de commodities ao leste da Alemanha com o intuito de tornar o país autos suficiente nesta nova era de nacionalismo económico.

Outra implicação da proibição do livre comércio e da liberdade de troca de bens é a involuntária transferência de bens de um país para o outro. Um fluxo unilateral, involuntário e coercivo de bens poderá, cedo ou tarde, levar a conflitos entre nações. Em nosso exemplo acima, tal situação seria equivalente à transferência de carros alemães para a Grécia sem as correspondentes importações de queijo da Grécia. Enquanto os carros alemães fluem para a Grécia, nada de real é enviado para a Alemanha em troca; nada de queijo feta, nada de petróleo, nada de participação em empresas gregas, nada de casas de veraneio gregas e nada de férias nas praias gregas.

Um exemplo histórico de fluxo unilateral e involuntário de bens pode ser vista nas reparações impostas à Alemanha após a Primeira Guerra Mundial, quando ouro e bens foram transferidos para os Aliados sob a ameaça de armas. Os alemães à época se sentiram ultrajados e vilipendiados por esta transferência unilateral de bens. Hitler foi eleito com a promessa de que acabaria com o odiado Tratado de Versalhes e, em especial, com as reparações de guerra. Estas reparações, vistas como uma violação adicional das trocas voluntárias de bens, foram fatores que levaram à Segunda Guerra Mundial.[2]

Os fundadores da integração europeia após a Segunda Guerra Mundial — Konrad Adenauer, Robert Schuman, Paul Henri Spaak, e Alcide de Gaspari — sabiam da importância do livre comércio para uma paz duradoura[3]]. Todos haviam testemunhado os horrores da guerra de maneira muito próxima. Eles queriam criar um ambiente na Europa que, além de colocar um fim às guerras recorrentes, pudesse também gerar uma paz permanente.
Seus esforços podem ser considerados um sucesso; nunca mais houve outra guerra na Europa entre as nações-membro da União Europeia. Com o intuito de criar esse ambiente pacífico, os fundadores criaram uma zona de livre comércio para estimular as trocas voluntárias. A cooperação mutuamente benéfica cria laços, compreensão, confiança, dependência e amizade. No entanto, a construção não foi perfeita. Embora o Tratado de Romaestabelecesse a liberdade de movimento de capital, mão-de-obra e mercadorias, infelizmente foi deixada uma brecha para que ocorresse também a transferência involuntária de bens.

Há dois principais mecanismos por meio dos quais a riqueza — isto é, bens — é redistribuída entre nações-membro em um uma só direção, criando desta forma fissuras na harmoniosa cooperação entre os europeus.

O primeiro mecanismo para a transferência unilateral de bens pode ser encontrado no sistema oficial de redistribuição. O Tratado de Roma já continha o objetivo do "desenvolvimento regional" — ou seja, a redistribuição. Ainda assim, até a década de 1970 houve poucas ações efetivas nesta área. Hoje, no entanto, tal programa já responde pelo segundo maior gasto da UE. Um terço de seu orçamento é dedicado à "harmonização" da riqueza. O Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional foi criado em 1975. Seu objetivo é gastar dinheiro em "fundos estruturais" para financiar projetos de desenvolvimento regionais.

O outro pilar da política de redistribuição direta da UE é a ideia de "fundos de coesão", instituídos em 1993 para harmonizar as estruturas de países mais pobres e tornar viável a entrada deles na União Monetária Europeia. Fundos de coesão estão abertos somente para os países cujos PIBs sejam menores que 90% da média do PIB da UE. Tais fundos são utilizados para financiar projetos ambientais ou redes de transporte. Seus principais beneficiários foram a Irlanda e os países do sul da Europa.[4]

Este arranjo fez com que os holandeses se tornassem os maiores pagadores líquidos de toda a União Europeia, seguidos pelos dinamarqueses e alemães. [5] De 1995 a 2003, a Alemanha pagou €76 bilhões líquidos para os cofres da União Europeia.[6] Em 2009, o governo alemão transferiu €15 bilhões para a União Europeia.[7]

A redistribuição de riqueza entre as nações-membro representa uma potencial fonte de conflito: bens são efetivamente transferidos sem que nada seja enviado em troca. Carros são enviados à Grécia sem que haja em troca uma remessa de queijo grego.

O segundo mecanismo para o involuntário fluxo unilateral de bens é mercado monetário. Como discutido anteriormente, há um produtor monopolista de dinheiro padrão (base monetária), que é o Banco Central Europeu. O BCE redistribui riqueza ao criar dinheiro novo e distribuí-lo de forma desigual para os governos nacionais com base em seus respectivos déficits.

O esquema funciona da seguinte maneira: um determinado governo nacional europeu gasta mais do que arrecada em impostos. Para quitar esta diferença — isto é, o déficit —, o governo em questão emite títulos públicos. Os títulos são vendidos ao sistema bancário, o qual, por sua vez, utiliza estes títulos junto ao BCE como colateral para obter empréstimos. Tais empréstimos concedidos pelo BCE são feitos com dinheiro criado do nada pelo BCE. Desta maneira, os governos nacionais podem, na prática, imprimir dinheiro. Enquanto o BCE aceitar esses títulos como colateral, eles irão funcionar como se fossem dinheiro. Como consequência, a oferta de euros irá aumentar. Os primeiros a receberem estes euros recém-criados — no caso, os países dos governos nacionais deficitários— poderão desfrutar um maior poder de compra, pois agora têm mais dinheiro e os preços ainda não se alteraram. À medida que este dinheiro recém-criado vai se espalhando para outros países, os preços vão se elevando em toda a União Monetária Europeia. Aqueles que receberem este dinheiro por último terão seu poder de compra diminuído, pois os preços subiram antes de suas rendas terem aumentado.

Para utilizar um exemplo real: a economia grega não é competitiva à taxa de câmbio em que entrou na zona do euro. Os salários teriam de cair para torná-la mais competitiva. Mas os salários são rígidos por causa de sindicatos poderosos e privilegiados. A Grécia conseguiu sustentar temporariamente esta situação incorrendo em déficits públicos e emitindo títulos, o que fez aumentar a oferta monetária do país. Com isso, foi possível pagar altos salários a pessoas improdutivas: funcionários públicos e desempregados. Aqueles que recebiam benefícios estatais podiam utilizar esse dinheiro recém-criado para comprar carros alemães, os quais iam se tornando cada vez mais caros em decorrência justamente deste aumento na quantidade de dinheiro. O resto da Europa, por sua vez, se tornava mais pobre em decorrência deste aumento nos preços dos carros. Houve, neste cenário, uma transferência unilateral de carros da Alemanha para a Grécia. Os meios utilizados para pagar por estes carros foram produzidos de maneira coerciva e não voluntária: por meio do monopólio sobre a produção de dinheiro.
Ao comentar sobre o Tratado de Maastricht e a introdução do euro, os paralelos com a transferência unilateral de bens induzida pelas reparações de guerra foram sagazmente observados pelo jornal Frances Le Figaro, no dia 18 de setembro de 1992:
'A Alemanha irá pagar', disse o povo na década de 1920. Hoje ela está pagando: Maastricht é um Tratado de Versalhes sem guerra.[8]
Não foi apenas o Tratado de Versalhes que criou conflitos. O arranjo monetário estabelecido pelo Tratado de Maastricht também estimula contendas, como já foi visto. A moeda única institucionaliza os conflitos à medida que a batalha pelo controle da oferta monetária se intensifica. Como os problemas estruturais da Grécia permanecem não resolvidos e a dívida de seu governo atingiu níveis extraordinários, o país vem lutando para conseguir lançar no mercado novos títulos da dívida, pois não há compradores interessados — mesmo considerando o fato de que o BCE ainda aceita títulos gregos como colateral (mesmo eles sendo classificados como lixo). O mercado começou a duvidar da boa vontade e da capacidade do resto da União Monetária Europeia de estabilizar o governo grego.

O resultado foi o pacote de socorro e a transferência de fundos da UME para a Grécia na forma de empréstimos subsidiados. O processo de socorro na forma de transferências involuntárias e unilaterais de bens provocou desprezo e ódio em níveis governamentais e civis, especialmente entre a Alemanha e a Grécia.

Os jornais alemães chamaram os gregos de "mentirosos" quando foi descoberto que seu governo havia falsificado as estatísticas orçamentárias. [9]

Um tablóide alemão perguntou por que os alemães têm de se aposentar aos 67 anos se o seu governo pode se dar ao luxo de transferir fundos para a Grécia para que os gregos possam se aposentar mais cedo.[10]

Por sua vez, os jornais gregos continuam a acusar a Alemanha de atrocidades durante a Segunda Guerra Mundial e alegar que o país ainda lhes deve o pagamento de reparações.



[1] Ver Ludwig von Mises, Omnipotent Government: The Rise of the Total State and Total War (New Haven: Yale University Press, 1944), Cap. 3.
[2] Sobre os bloqueios que geraram inanição, ver Ralph Raico, "The Blockade and Attempted Starvation of Germany," Mises.org daily article (May 7, 2010), [C. Paul Vincent, The Politics of Hunger: Allied Blockade of Germany, 1959-1919, (Athens, OH: Ohio University Press, 1985).
[3] Ver Ginsberg, Demystifying the European Union, p. 387.
[4]Ibid., pp. 257-260.
[5] Ver Dutchnews.nl, "Dutch are Biggest EU Net Payers: PVV,"(January 14, 2010), http://www.dutchnews.nl
[6] Hannich, Die kommende Euro-Katastophe, p. 30.
[7] Bandulet, Die letzten Jahre des Euro, p. 107.
[8] Citado in Roland Baader, Die Euro-Katastrophe, p. 163.
[9] Ver Alkman Granitsas and Paris Costas, "Greek and German Media Tangle over Crisis,"The Wallstreet Journal (February 24, 2010), http://online.wsj.com.
[10] Ver Hoeren and Santen, "Griechenland-Pleite."

15 comentários:

  1. Já sabemos que o Sr Bagus representa a corrente alemã, felizmente (ainda) não dominante, que defende o regresso ao Marco e o isolacionismo alemão na Europa dedicando-se a exportar BMW e outros para os BRIC, e pondo em perigo o equilíbrio da Europa contra os interesses da própria Alemanha.
    Critica o mecanismo de redistribuição (fundos de desenvolvimento regional e fundos de coesão) porque os Estados ricos pagam para que os estados pobres tenham a oportunidade de se desenvolver. Até hoje não vi nenhum conflito emergir daí, o Alemães e os Holandeses até gostam de ir jogar golfe à Madeira e às ilhas gregas. Evidentemente que o que o Sr Bagus e a sua corrente pretende é fomentar conflitos daí a importância dada ao asunto.
    O segundo mecanismo referido, o mercado monetário, esse sim é um problema que conduziu ao atual problema financeiro da zona Euro e que carece de resolução. Na minha opinião o problema existe porque não houve a coragem de ir suficientemente longe na integração orçamental europeia com a introdução do Euro e a criação do BCE. Implica perdas de soberania dos Estados? Claro que sim. Desde que sejam encontrados os mecanismos que permitam manter os princípios democráticos que devem orientar a integração europeia qual é o problema das perdas de soberania? No entanto o processo para ratificação da "constituição europeia" derrapou e despistou-se nomeadamente no referendo francês. Porque os povos europeus ainda não estão prontos para um avanço em termos de soberania. E por isso os problemas que agora afrontam a Europa só se vão resolver no longo prazo, o que já foi afirmado por vários responsáveis nomeadamente pela Sra Merkel que tantos criticam mas que na realidade tem feito o que lhe compete com pragmatismo. Esperemos que a corrente económica do Sr Bagus e da sua escola de Viena não ganhe seguidores suficientes, especialmente daqueles que não sabem bem o que estão a seguir, e destrua o processo de integração europeia.
    A este respeito aconselho dar atenção às palavras sábias de Umberto Eco:
    "No que se refere à crise da dívida, e estou a falar como alguém que não percebe nada de economia, temos que nos lembrar que é a cultura e não a guerra que cimenta a nossa identidade europeia. Os franceses, os italianos, os alemães, os espanhóis passaram séculos a matar-se uns aos outros. Hoje estamos em paz há 70 anos e já ninguém percebe quão espantoso isso é.
    Na verdade a mera ideia de uma guerra entre a Espanha e a França ou entre a Itália e a Alemanha é hilariante. Os E.U.A. precisaram de uma guerra civil para se unificarem devidamente. Espero que a cultura e o mercado Europeu façam o mesmo por nós." (tradução livre) original em
    http://www.guardian.co.uk/world/2012/jan/26/umberto-eco-culture-war-europa
    Paulo - Lisboa

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  2. Só quero acrescentar que o político dos E.U.A. mais habitualmente associado ao Instituto Ludwig von Mises, Instituto que detém a Copyright do livro " A tragédia do Euro" e cujo símbolo é o que se encontra no artigo "A escola austríaca" neste blog, é o Congressista republicano Ron Paul, actualmente ainda candidato à nomeação pelo partido republicano para as eleições presidenciais em Novembro deste ano. O Congressista Ron Paul defende em matéria económica e finaceira, nomeadamente, acabar com a FED (Reserva federal, o banco central dos E.U.A.) e regressar ao padrão-ouro monetário, porque supostamente a ação da FED sobre a massa monetária ou a oferta de dinheiro provoca inflação reduzindo assim o poder de compra dos indivíduos. Falta ao Sr Ron Paul, bem como aos economistas "austríacos" explicar as situações e hiperinflação que ocorreram em nações com padrão-ouro (Alemanha anos 20 o que condziu à ascenção ao poder do partido nacional-socialista ou nazi), be como a ausência de situações de hiperinflação em nações económicamente desenvolvidas após 1971 com o sistema de Bretton-Woods. Tudo isto soa a populismo.
    Confesso que sou suspeito mas só pelo seguinte: Sempre que oiço alguém a pretender resolver um problema atual com um rgresso ao passado desconfio. Estarei errado?
    Paulo - Lisboa

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    1. Caro Paulo,

      A inflação alemã de 1914-1923 teve um início discreto, movendo-se a uma vagarosa taxa que variava de um a dois por cento. No primeiro dia da Guerra, o Reichsbank alemão, como todos os outros bancos centrais das nações beligerantes, suspendeu a conversão de papel-moeda em ouro com o intuito de impedir que suas reservas se esgotassem.

      Como todos os outros bancos, o Reichsbank ofereceu assistência ao governo central no financiamento do esforço de guerra. Como impostos são sempre impopulares, o governo alemão preferiu pedir emprestado as quantias necessárias de dinheiro ao invés de ter de aumentar substancialmente seus impostos. Nesse objetivo ele foi prontamente auxiliado pelo Reichsbank, que simplesmente passou a comprar a maior parte dos títulos do Tesouro.

      Assim, uma porcentagem crescente da dívida do governo foi parar nos cofres do Banco Central, e um montante equivalente de papel-moeda, impresso sem qualquer lastro, acabou como dinheiro vivo em posse do público. Ou seja, o Banco Central estava monetizando a crescente dívida do governo.

      Ao final da Guerra, a quantidade de dinheiro em circulação havia quadruplicado e os preços haviam subido 140 por cento. Entretanto, o marco alemão não havia sofrido mais do que a libra britânica, estava um pouco mais fraco do que o dólar americano, porém mais forte do que o franco francês. Porém, cinco anos depois, em dezembro de 1923, o Reichsbank já havia emitido 496,5 quintilhões de marcos, fazendo com que cada cédula valesse um trilionésimo do que valia em ouro de 1914.[1]

      [1] Costantino Bresciani-Turroni, The Economics of Inflation (Terceira impressão, Nova York: Augustus M. Kelley, 1968), p. 440.


      Resposta articulada com o Instituto Mises Brasil.

      Cumprimentos.

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    2. O sistema de Bretton Woods, entretanto, continha os germes de sua própria destruição. Sob esse arranjo, os Estados Unidos adquiriram enormes incentivos para inflacionar sua própria moeda e exportá-la para outros países. Os EUA produziam dólares para comprar bens e serviços, e pagar pelas guerras da Coréia e do Vietnã. Em troca desses dólares, vários bens eram vendidos aos EUA. Países europeus como a França, a Alemanha Ocidental, a Suíça e a Itália adotaram políticas monetárias menos inflacionistas, pois estavam sob a influência de economistas familiarizados com os ensinamentos da Escola Austríaca de economia. As reservas de ouro do Federal Reserve foram diminuindo e os dólares — cada vez mais sobrevalorizados, pois sua oferta havia aumentado sobremaneira, mas seu preço continuava fixo em relação ao ouro — foram se acumulando nos bancos centrais europeus. Até que Charles de Gaulle deu início a uma corrida ao Fed, exigindo que os dólares acumulados pelo banco central francês fossem restituídos em ouro. Em contraposição à França, e devido à dependência militar da Alemanha em relação às tropas americanas, o Bundesbank concordou em manter suas reservas em dólar, sem exigir restituição.[4]

      [4] A Alemanha continuou a pagar imenso dinheiro aos EUA para manter tropas americanas no país como proteção contra uma potencial invasão soviética.

      Após o colapso de Bretton Woods, o mundo estava imerso em um arranjo de moedas fiduciárias flutuando entre si. Os governos agora finalmente podiam controlar a oferta monetária de seus países sem estarem restritos a qualquer limitação imposta pelo ouro; e os déficits podiam ser financiados pelos seus respectivos bancos centrais. A manipulação da quantidade de dinheiro em uma economia tem apenas um objetivo: financiar as políticas governamentais. Não há nenhum outro motivo para se manipular a quantidade de dinheiro de uma economia.

      Com efeito, praticamente qualquer quantidade de dinheiro é suficiente para satisfazer a função precípua do dinheiro: ser um meio de troca. Se a quantidade de dinheiro for aumentada, os preços serão mais altos; se ela for reduzida, os preços serão menores. Apenas imagine um acréscimo ou uma subtração de zeros em cédulas de dinheiro. Isso não afetaria a função do dinheiro como um meio de troca.

      No entanto, alterações na quantidade de dinheiro geram efeitos distributivos. As primeiras pessoas que receberem esse dinheiro recém-criado poderão adquirir bens e serviços a preços ainda inalterados. À medida que esse dinheiro recém-criado vai circulando pela economia, os preços vão subindo. As pessoas que receberem esse dinheiro por último terão de lidar com um aumento de preços sem que ainda tenham tido um aumento em suas rendas. Logo, há uma redistribuição de riqueza em favor daqueles que primeiro receberam esse dinheiro em detrimento daqueles que o receberão por último — os quais ficarão continuamente mais pobres. Os que primeiro recebem este dinheiro são principalmente os membros do sistema bancário, o governo e as indústrias favoritas do governo (por meio de vários tipos de subsídios), ao passo que os últimos recebedores são formados por aquela fatia da população que possui menos contato com o governo — por exemplo, pessoas com renda fixa.

      Resposta articulada com o Instituto Mises Brasil.

      Cumprimentos.

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  3. Agradeço a resposta. Mas mantenho que nada disso invalida o essencial do que expus. As ideias do Sr Philipp Bagus são essencialmente contra a integração europeia e a favor do isolacionismo alemão. O que isso representa para a Europa é algo de extremamente perigoso. Defendo que deve existir mais integração europeia e não retrocessos.
    Concordo que a política monetária deverá centrar os seus esforços no controlo da inflação e que a atuação dos bancos centrais europeus pré-euro e do BCE pós Euro se centrou mais no controlo da inflação através do controlo da massa monetária do que a atuação da FED. Talvez por isso tão recentemente como há cerca de duas semanas a FED pela primeira vez na sua história adoptou publicamente um "target" para a inflação - 2%.
    Teóricamente é verdade que "praticamente qualquer quantidade de dinheiro é suficiente para satisfazer a função precípua do dinheiro: ser um meio de troca. Se a quantidade de dinheiro for aumentada, os preços serão mais altos; se ela for reduzida, os preços serão menores".
    No entanto isto não explica porque razão tendo a FED entre Novembro de 2008 e o início de 2010 commprado cerca de $1.200.000.000 ($1.2 trilion em termos americanos) em ativos bancários e títulos do tesouro, desta forma injetando liquidez na economia, a famosa "quantitative easing", ou seja aumentando a quantidde de dinheiro, a inflação média nos E.U.A. (CPI) nos 3 anos entre 2009 e 2011 foi de 1,49%, e apenas em 2011 subiu acima dos 2% fixando-se em 3,16%.
    É claro que estas medidas são excecionais e em resposta a uma situação de crise que poderia ter sido muito pior e não está ainda afastada.
    Esclareça-me: Face a uma crise financeira como a de 2008 qual seria a resposta da escola austríaca de economia?
    Cumprimentos
    Paulo - Lisboa

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    1. A escola austríaca atuaria da seguinte forma:

      Deixaria a economia e os mercados funcionar, seguindo o modelo laisser faire .

      Ao contrário do que pensa o senso comum, nós não vivemos numa economia liberal, mas sim em economias que são constantemente intervencionadas pelos governos, e uma das intervenções mais claras, é o papel dos bancos centrais na criação fictícia de dinheiro.

      Exemplo: determinado banco investiu mal em dívida pública e acumulou uma série de prejuízos. Esse banco, no pensamento da escola austríaca, não deve ser intervencionado e assim serviria de exemplo de alerta para os outros bancos terem maiores cuidados em investimentos futuros e os próprios cidadãos terem mais cuidado onde depositam o seu dinheiro. No fundo o mercado a funcionar.
      Veja o caso BPN que a intervenção estatal já cobriu o dinheiro dos depositantes, e esse é um dinheiro que desapareceu do seu bolso, do bolso de todos, um absurdo sem nexo…

      A economia necessita de uma desintoxicação, concerteza recomendaria a um alcoólico ou drogado, porque não aplicar o mesmo a economia invés de atirar com mais e mais dinheiro para cima dos problemas?

      A cura está no deixar de consumir , voltar a poupar e a produzir de novo.

      A economia americana ainda não sentiu o problema da inflação por dois motivos essenciais, os países estrangeiros ainda compram a dívida americana, e muito da compra de dívida pública americana foi adquirida pelo próprio FED.

      Cumprimentos.

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    2. Certo. O problema é que o modelo laissez faire foi o que nos conduziu a esta recessão. A desregulamentação da atividade bancária e dos fundos de investimento permitiu que os bancos assumissem riscos que eles próprios sabiam não ser aceitáveis e que vieram a implicar perdas avultadas quando a bolha do imobiliário rebentou e inumeros clientes deixaram de poder pagar os seus empréstimos. Por outro lado caso o Estado (estou a referir-me aos E.U.A.) não tivesse intervido para salvar bancos, seguradoras, e indústria automóvel alguém arrisca uma ideia de qual seria o estado da economia americana neste momento? Talvez o conceito de destruição criativa estivesse em pleno funcionamento, mas estaríamos ainda na fase de destruição.
      Cumprimentos
      Paulo - Lisboa

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    3. Caro Paulo,

      Por isso a escola austríaca é contra os bancos centrais, pois eles só manipulam, em um jogo estranho de poderes que ainda ninguém sabe bem quais as ideias em causa. A escola austríaca defende a associação da moeda ao padrão ouro e o fim das reservas fracionárias.

      No fim, o que conta é que a maioria ficou mais pobre para proteger uma minoria e os problemas estão longe de ficar resolvidos...


      Cumprimentos.

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  4. Meus caros, sinto-me um bébé a introduzir-me nas vossas conversas mas...

    A escola Austriaca baseia-se em produção, propriedade, liberdade, poupança, estado pequeno e pouco interventivo, funcionamneto livre do mercado.

    O Keynesianismo pressupôe um estado grande e controlador, que intervém na economia. Salvou o mundo diversas vezes, permitiu uma paz duradoura na Europa através do crescimento economico. Esse crescimento funcionou em economias fechadas e semi-fechadas. Após 1929 o injectar de dinheiro na economia permitiu às pessoas comprar comida e bens de primeira necessidade (as que morriam à fome no pós crise) produzidas no próprio país e outras para comprar casas e afins. O dinheiro não saiu muito do mercado interno porque não havia tantas trocas comerciais. Isso permitiu a recuperação e o crescimento.

    O Mundo agora é outro!

    A partir de 1971 e depois ainda mais com a queda do muro de berlim, as economias ocidentais abriram-se como nunca antes. O crescimento e dinheiro injectado pelos estados foi esbanjado em investimentos que não dão retorno, houve desindustrialização (o maior problema deles todos) e o dinheiro injectado muito dele fez aumentar as importações e a desindustrialização fez diminuir exportações. Claro que rebentou com o modelo...o crescimento baseou-se simplesmente nos gastos publicos e privados de pessoas que também se endividaram. Chegou o momento em que tanto divida soberana, como das pessoas como das empresas chegou a um limite do sustentavel e os investidores deixaram de emprestar. Parece-me obvio!

    Exemplo simples que ouço muitas vezes: Se me derem 20000€ amanhã, provavelmente compro um carro vindo do Alemanha ou Japão, vou ao corte ingles comprar uma mala louis vitton para a minha mulher, e uns jogos da playstation vindos do Japão ou EUA para o miudo! Com certeza que não vou gasta-lo em Sumol ou Renova ou em cervejas Sagres! Não temos indústria Portuguesa para fazer render esse dinheiro injectado! Nós e muitos países! Faz render, mas para o exterior! Todos nós gostamos de produtos que vêm do exterior. O dinheiro injectado no país e na economia não fica cá! Não é assim tão simples?

    Paulo tem razão que a desregulamentação levou a onde chegámos. Um facto lamentável! Não sei se isso é escola austriaca ou não. (para os problemas já é culpa da escola austriaca?)

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  5. Mas porque não se faz, se quiser, um modelo baseado na escola austriaca, com as caracteristicas que evidenciei no inicio do comentário, deixando o mercado liberalizado mas com uma entidade supranacional, uma entidade mais importante que tudo o resto, com transparência, com dados disponiveis ao segundo, com controlo e passível da opinião pública para estabelecer leis e normas economicas para impedir corrupções, branqueamentos, trabalho infantil, concorrência desleal, cartéis e todos esses crimes economicos? Nem todos os países concordarão com isto mas...pode-se começar pelos países ditos ocidentais e mais uns BRIC que quiserem entrar não? Mas todos têm de cumprir as regras. Não consigo competir com um chinês de 12 anos a ganhar arroz como ordenado...

    Não é possivel criar um mercado livre, mas com leis que impeçam o enriquecimento ilicito? trocando por miudos, não é possivel deixar as pessoas e os mercados concorrerem entre si, sem fazer batota? Se fizerem batota, lá estará a entidade supranacional a identificar o incumprimento, a impôr a respectiva coima/prisão dos intervenientes e impedir que regressem ao mercado!

    E se por acaso esta entidade estiver ela mesmo corrompida, daí digo que os seus dados e acções e noticias têm de estar actualizadas ao segundo na internet e em sitios próprios para as pessoas poderem saber, criticar e julgar se necessário!

    No mundo globalizado e tão rapido como o de hoje, não é possivel? Mas porquê? Nunca se tentou!

    Eu prefiro isso a ter o estado corrupto a interver no mercado. E mais, com a conivência desse estado corrupto, todo o mundo privado pode na mesma fazer praticas fora da lei nos mercados, porque depois sabe que o estado vai injectar dinheiro para cobrir os custos! Quer dizer, ganham sempre quer percam quer ganhem? Se ganharem tudo bem, se perdermos o estado dá-nos o dinheiro, não há problema.

    O papel dos estados também falharam na supervisão!

    Tem de haver gente paga a peso de ouro para supervisionar o mercado!

    Na minha ignorãncia penso que pode funcionar. No vosso maior conhecimento, contra-argumentem!

    Desculpem a extensão do comentário.

    Cumprimentos

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    1. Caro Vazelios,

      A sociedade aclama por um novo modelo. Os ocidentais agora já têm a noção que esta vai ser uma década de profundas alterações ao nível financeiro e o fortalecimento de outros players mundiais.
      As economias estão cada vez mais iguais (nível global), mas ao mesmo tempo mais desiguais (nível nacional).

      Os mercados financeiros atingiram uma determinada dimensão que cada vez afetam mais a economia real.

      Infelizmente a Europa está num berreiro constante, cacofonia de opiniões, intrigas e sem uma liderança compreendida pelos cidadãos.

      Os EUA apostam nas suas verdades como quem aposta tudo num casino. E se eles perderem muitos irão perder junto.

      A teoria Keynesiana tem vindo a ser desmitificada neste blog , pois considero que é uma teoria que vive de altos e baixos… recessões e crescimentos, sempre a criar novos ciclos e futuras bolhas.

      Apareceu aqui no blog os pensamentos da escola austríaca, pois é uma teoria que desmitifica e muito bem uma série de problemas que surgiram ao longo das crises e por isso merece a minha atenção e confronto de ideias.

      Mas chegados à necessidade de mudança de paradigma que ninguém sabe ainda qual o caminho da história que vai ser seguido, o que fazer?

      Considero que devemos voltar aos básicos, ou seja, consumir menos, poupar mais e produzir melhor.

      Explico melhor, é importante a sociedade afastar-se do fenómeno da dívida, o dinheiro surgiu para servir como instrumento de troca e não para fazer crescer dinheiro sobre o dinheiro perante mecanismos não disponíveis a maioria da sociedade.

      Porque em Portugal, uma padaria (em condições normais de atividade) caminha para a falência quando existem pessoas que passam fome e logo tem uma necessidade de ter acesso a esse bem?

      Será a vontade do mercado? O mercado é livre? Ou o problema está na circulação de dinheiro que deixou-se de fazer o papel principal de troca para estar a cobrir outras situações fora da economia real.

      Quem estará a pensar sobre o assunto? Quem terá a chave de ouro para o novo modelo? Ou estaremos apenas simplesmente a caminhar para a próxima recessão ou até para um próximo crescimento…

      Cumprimentos.

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  6. Olá Vivendi,

    Veja a evolução exponencial do número de algoritmos em várias bolsas [NYSE, CBOE, etc], desde 2007. Olhem bem para o mês de Agosto de 2011 [a queda abrupta do mercado na 1ª quinzena de Agosto gerou uma série de algoritmos, que desplotaram outros algoritmos]. É simplesmente um espanto, principalmente Agosto de 2011...

    http://www.zerohedge.com/news/presenting-rise-hft-machine-visual-confirmation-how-skynet-broke-stock-market-us-downgrade-day

    É incrível...

    Um abraço,
    Paulo Rosa

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    Respostas
    1. Amigo Paulo Rosa,

      Concorda comigo quando vivemos tempos de pura manipulação! Eu tento captar a realidade pelos fatos, mas depois sempre existe um alçapão de farsa. E o circo americano está a ficar cada vez mais perigoso e o mundo entretido com a Europa dos pigs. Ainda bem que os alemães têm consciência e estão a por um travão a uma série de devaneios financeiros. Para quando um novo post seu?

      Abraço.

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  7. Olá amigo,

    Sim, concordo!

    Está para sair.
    "Ensaio sobre a massa monetária".

    Abraço,
    Paulo

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  8. Olá amigo,

    Fiz há pouco um pequeno texto como resposta a um artigo do Camilo Lourenço.


    http://omniaeconomicus.blogspot.com/2012/02/nao-se-podem-testar-os-mercados-com.html

    http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=538023&pn=1


    PS: Tenho o artigo da massa monetária alinhavado há mais de um mês, mas o tempo não é muito...

    Um abraço,
    Paulo Rosa

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